quarta-feira, 11 de novembro de 2009

ARTIGO DA JORNALISTA RAQUEL WANDELLI




Terça-feira, 10 de Novembro de 2009, 15h54
CONFLITO ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO GANHA APROVAÇÃO NO PALCO

Arte e Astronomia, Ciência versus Religião, Galileu versus Papa Urbano, liberdade do pensamento versus Santa Inquisição. O Grupo Pesquisa Teatro Novo da UFSC comemora 30 anos de sua fundação trazendo à cena a mistura inusitada desses ingredientes com os quais experimenta um novo sucesso na sua história de luta pela afirmação de um teatro em processo de inovação da linguagem. Em dois finais de semana de exibição gratuita durante a Semana de Pesquisa e Extensão, a peça atraiu em torno de 1.100 espectadores que fizeram longas filas no Departamento Artístico Cultural para garantir ingressos com antecedência e lotaram por seis vezes o Teatro da UFSC. Aplaudido de pé e com autêntico entusiasmo em sua estréia, o espetáculo As luas de Galileu Galilei, direção de Carmen Fossari, promoção da Secretaria de Cultura e Arte da UFSC, deixou para a nova temporada em novembro uma demanda reprimida ainda maior. Expectativa curiosa de um público que quer assistir à ousada transposição para o teatro-igreja do drama moral e intelectual do pai da ciência moderna, que abjurou a fim de salvaguardar para as gerações futuras sua teoria sobre o movimento gravitacional da Terra em torno do sol. No desafio de encenar os episódios que avizinham o julgamento promovido pela Igreja medieval contra Galileu para perpetuar o dogma de que a Terra era o centro do universo, a diretora mobilizou uma equipe de 30 atores e mais dez técnicos. Com uma elogiada dinâmica de palco garantida por inúmeras mudanças de cenário interligadas pelo canto performático do Madrigal da UFSC, o espetáculo promete ganhar constelações estrangeiras. A diretora não esconde a surpresa com o sucesso desse espetáculo de uma hora e meia que reintegra arte e ciência e leva ao palco a astronomia, sua mais recente paixão de pesquisa. Surpresa porque, à frente do Pesquisa Teatro Novo, nunca perseguiu o resultado como um fim - e por isso o reconhecimento lhe parece mais legítimo. Lágrimas retidas nos olhos andaluzes recompensam sua luta no momento de colher um histórico de aplausos com a consciência de ter preservado o horizonte ético e estético que sempre pautou sua conduta artística e política: ?É um prazer muito grande atravessar três décadas sem ter feito nenhuma concessão ao teatro burguês?, diz com serenidade, enquanto acompanha o ensaio das oficinas de arte dramática, sentada na última fileira da platéia do Teatro da UFSC, onde dá vida a suas criações desde 1979. O fato de que o público é capaz de reconhecer o trabalho do grupo compreendendo a especificidade da produção pedagógica como parte constituinte da sua performance alegra particularmente sua orquestradora. Em cena, atores experientes, como Nei Perin, que empresta corpo a Galileu, e o ofuscante Marcelo Cidral, que interpreta o inquisidor, atuando corpo a corpo com estudantes e amadores da UFSC e da comunidade, como a surpreendente Jeanne Siqueira, que faz uma madre. ?Hoje o público compreende que colocamos em cena um teatro aberto e processual ? e nem poderia ser diferente: teatro é processo, é vida, é cena, é arte inacabada?. Descendente de italianos e espanhóis, a diretora de As luas de Galileu Galilei retira da bolsa os últimos ingressos que estava reservando para a própria família a fim de atender uma professora que pede para trazer a turma de educação de jovens e adultos à estréia. Pergunto-lhe a que atribui o ?fenômeno de público? e ela lança um somatório de fatores: o tempo de dois anos investidos na preparação da montagem, o talento e dedicação da equipe técnica, o elenco de um amor ao teatro comovente, a assessoria do astrônomo Adolfo Stoltz Neto, presidente do Grupo de Estudos Astronômicos (Planetário da UFSC) e a participação do Madrigal da UFSC, sob a regência da maestrina Miriam Moritz. Acrescenta ainda a articulação de três linguagens teatrais diferentes (Teatro clássico, Comédia Dell Arte e Madrigal), confluindo em favor de um espetáculo denso, mas ritmado e colorido pela heterogeneidade de linguagens e recursos artísticos. ?Embora se tratasse de um drama histórico e científico, um público hipotético nos estimulou durante toda a montagem a fugir das armadilhas de encenação hermética de um lado e banalizada de outro?. Como pesquisador, cientista e espectador da peça, o reitor Alvaro Prata considera o trabalho do grupo encantador porque entretém explorando o conflito entre a verdade e a ignorância. ?A peça combina a cultura artística e teatral ao universo da ciência e da academia com muita qualidade?. Prata aponta a riqueza do figurino (de José Alfredo Beirão) e do cenário e ainda a participação do Madrigal da UFSC como pontos altos do espetáculo. Com reestréia prevista para 23 de novembro, no Teatro Garapuvu, do Centro de Cultura e Eventos da UFSC, a montagem deverá percorrer mostras e festivais nacionais e latinoamericanos. Carmen planeja excursionar para a Itália, palco da trama, aproveitando as atenções em torno do Ano Internacional da Astronomia. Em duas linhas de tempo paralelas, o espetáculo é cortado por intervenções intemporais que quebram a sequencialidade da narrativa, como se evocadas pela memória multilinear. Enquanto se desdobra o enredo principal em torno do julgamento do cientista, a Cia teatral Bambolina Andatina opera um metateatro, encenando esquetes sobre episódios marcantes da vida de Galileu na parte externa e interna do Teatro. Além de lançarem a narrativa no tempo expansível da memória, as interações do Madrigal e da Comédia Dell Arte desarmam as escadas que separam o erudito e o popular. Assim como as relações entre ciência e fé, pois da mesma forma que a Igreja orientava seu dogma por interesses políticos, também Galileu, embora mantivesse mulher e filhos com muita dificuldade à custa das aulas particulares, tinha seus estudos apoiados pelo Conde de Médice, a quem interessava enfraquecer o poder da Igreja. Nesse céu tempestuoso do despertar da Idade Moderna, religião e ciência se conflitam, mas também se encontram. Carmen lembra que Galileu foi um homem fervoroso, de profunda religiosidade e crente em Deus, a quem nunca renunciou até morrer cego e alucinado, no melhor momento do ator Nei Perin. Bem acreditam os índios Guarani que quando o homem caminha pela terra percorre a Via Láctea, porque tudo que ocorre na terra está relacionado aos céus. Buscando aprofundar seus conhecimentos em astronomia no Planetário da UFSC, Carmen, sob a regência do signo de Câncer, até comprou um telescópio. ?Com Galileu descobri o céu?, diz ela, que arquiteta outros projetos voltados à compreensão da ciência pela sensibilidade da arte.
Fonte: Raquel Wandelli
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